“O Banco Central precisa rever regulação se quiser evitar risco para o sistema”

Em audiência na Alerj, o movimento sindical bancário acordou que a política regulatória dos últimos dez anos não controlou a taxa de juros, aumentou a precarização no trabalho e os riscos sistêmicos para todo o setor financeiro.

Além de não resolver os principais problemas do setor financeiro do país, como as altas taxas de juros, a exclusão financeira de parte importante da população e a concentração regional na oferta de crédito, as políticas de regulação do Banco Central (BC), na última década, exploraram os mesmos problemas que, somados aos novos fatores tecnológicos, podem estar contribuindo para um ambiente de crise financeira.

O alerta aconteceu na audiência pública  “Sistema financeiro e seus impactos nas relações de trabalho” , promovida na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), e mediada pelo deputado federal Reimont (PT-RJ), na última segunda-feira (05/05), a pedido do movimento sindical bancário.

O doutor em economia pela Unicamp e técnico do Dieese, Gustavo Cavarzan, demonstrou que, nos últimos anos, o BC passou a atuar na formação da política de regulação do sistema financeiro, com o objetivo de aumentar a concorrência e, assim, resolver os problemas históricos que o país enfrenta: juros altos, crédito caro e exclusão financeira dos mais pobres.

A partir dessa proposta, o Banco Central distribuiu regras menos rígidas para aquelas instituições, que não são bancos, poderiam atuar com serviços bancários. Com isso, entre 2016 e 2024, o número de empresas de tecnologia que oferecem serviços financeiros (as chamadas fintechs), regulamentadas pelo BC, saltou de 1 para 258; e, ainda, que em menos de uma década, quatro fintechs (Nubank, Mercado Pago, Ame Digital e Pag Bank Seguro) passaram a figurar entre as dez maiores instituições financeiras do país, ao lado de grandes bancos tradicionais, como Itaú, Bradesco, Santander, Caixa e Banco do Brasil.

“A regulação foi eficaz em transações de novos operadores não bancários. Mas as promessas de maior crédito, menores juros e maior inclusão não foram alcançadas”, destacou Cavarzan.

A relação crédito/PIB, percentual entre o crédito concedido pelo sistema financeiro nacional e o valor do total de riquezas produzidas no país, em 2015, era de 53,9%. Em 2024, o indicador estava praticamente no mesmo patamar (53,2%).

“Em relação à concessão de crédito a juros mais baixos, em maio de 2024, o Nubank, por exemplo, estava cobrando 115,04% de juros no crédito não consignado, pior percentual do que o que estava sendo cobrado por bancos tradicionais, naquele momento”, concluiu o técnico do Dieese.

A promessa de inclusão financeira melhorou o mesmo boato de falha: “Os bancos públicos tradicionais, como Caixa Econômica e Banco do Brasil, são fundamentais para a oferta de crédito em linhas prioritárias para o desenvolvimento do país, como habitação e crédito rural, ao contrário das fintechs”, completou Cavarzan.

Regulação frágil e risco de crise sistêmica

“O modelo de regulação implementado pelo BC, na última década, também acabou aumentando o risco sistêmico financeiro no país e de fraudes”, alertou, em seguida, o doutor em cientista pela USP e pesquisador da FAPESP, Moisés da Silva Marques. “Isso porque, por terem regulações mais frágeis que os bancos tradicionais, as fintechs tornam o ambiente econômico mais inseguro”, explicou.  

O pesquisador mostrou que, no ranking de reclamações do BC, publicado no último trimestre, as fintechs apareciam nas 15 principais posições por problemas relacionados à falta de transparência, impossibilidade de portabilidade e fraudes em geral.

Silva Marques também destacou algumas notícias sobre a facilidade de abertura desse tipo de empresa por igrejas evangélicas, influenciadores digitais e até pessoas envolvidas com o crime organizado.

“Claramente, precisamos mudar a regulação do sistema financeiro atual, que também não impede que os bancos tradicionais continuem batendo recordes de lucros, ao mesmo tempo em que os impostos de trabalho e de agências. Isso porque, os bancos tradicionais estão criando várias empresas digitais, ou seja, novos CNPJs, e contratando trabalhadores como não bancários, se apropriando dos benefícios reguladores frágeis das fintechs”, apontou.

A presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira, representando o movimento sindical na audiência, alertou que, a crise financeira de 2008 foi o resultado da omissão dos órgãos reguladores do sistema financeiro norte-americano.

“Regular o sistema financeiro é uma responsabilidade muito grande. Quando uma entidade bancária se quebra, a sociedade inteira sofre as consequências. E o grande problema hoje, no Brasil, é que temos uma regulação do Banco Central diferenciada para bancos e outras empresas que atuam como bancos no setor, como as fintechs”, destacou Juvandia. “O que aconteceu se o Nubank quebrasse, empresa que, apesar de não ser registrada como banco, tem 100 milhões de clientes, oferecendo serviços de um banco? Afetaria seriamente todo o país”, completou.

Precarização do trabalho

Ainda segundo o economista Gustavo Cavarzan, a entrada das fintechs no sistema financeiro nacional gerou um movimento de trabalho no setor, com redução do emprego bancário, porém aumento de atividade em todo o ramo financeiro. “Com isso, está havendo uma fragmentação do emprego no setor, que tem como consequência condições de trabalho mais precárias: menores salários, maior jornada, menor tempo de emprego, maior rotatividade, menos direitos”, ressaltou.

Enquanto os bancos tradicionais pagam contribuição sobre o lucro líquido de cerca de 20%, em média, as fintechs pagam 9%. Além disso, as fintechs não estão sob as mesmas responsabilidades que os bancos precisam cumprir sobre as questões trabalhistas e de segurança de dados dos clientes.

“Perde o governo, com menos arrecadação, perde o trabalhador e perde o cliente”, reforçou a presidente da Federação das Trabalhadoras e dos Trabalhadores no Ramo Financeiro do Estado do Rio de Janeiro (Federa-RJ), Adriana Nalesso. “Quando fazemos reuniões nos bancos, a categoria costuma dizer que o emprego bancário está acabando. Eu digo que não está acabando, está se deslocando para a precarização, na medida em que atuam hoje, como bancos, no setor financeiro, plataformas digitais que contratam o trabalhador como um ‘personal bankers’, com a promessa de que terá mais autonomia e liberdade para administrar o seu tempo. Mas nós sabemos que essa não é a realidade”, destacou.

O presidente do Sindicato dos Bancários e Financeiros do Rio de Janeiro (Seeb/Rio), José Ferreira, completou que o debate precisa ser levado adiante para toda a sociedade. “Mas isso não vai acontecer por si só, porque não há interesse de quem organiza o ramo financeiro, digo, inclusive do BC. Por isso que nós, trabalhadores, temos o desafio de fazer essa discussão sobre esse cenário que, somado à desorganização total do trabalho que foi promovido na reforma trabalhista de Temer (em 2017) e que liberou a terceirização para todas as atividades de uma empresa, contribui ainda mais para a superexploração”, pontudo.

Fonte: Contraf-CUT

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