Convocação de militares para trabalhar no INSS é aparelhamento do Estado

Se já não são mais físicas e tão visíveis como eram antigamente, as filas do INSS voltaram a ser gigantescas. Diante da informatização do sistema, agora milhões de cidadãos são obrigados a aguardar à distância meses, até mais de um ano, sem resposta para demandas de concessão de aposentadoria ou benefícios sociais.

Numa tentativa de sanar o problema – são cerca de 1,3 milhão de pedidos parados – o governo Jair Bolsonaro anunciou a convocação de 7 mil militares da reserva para reforçar o atendimento ao público.

Para o ex-ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, esse caos todo é resultado de falta de gestão, falta de planejamento e represamento proposital de recursos para fechar as contas de 2019.

Em entrevista à Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef/Fenadsef), o ex-ministro criticou as gestões de Michel Temer e de Bolsonaro, por não terem se preocupado com a contratação de pessoal. O último concurso para o INSS foi realizado em 2015, um ano antes do impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Assim, avalia Berzoini, não há surpresa na situação caótica atual. Espantoso, afirma, é a decisão do governo de recorrer aos militares e pagar 30% a mais de salário para que exerçam funções para as quais não são especialistas. A atitude é inédita na história brasileira.

“Os militares terão de ser treinados, já que não conhecem o serviço que deverão prestar”, diz, destacando ainda o tempo que levará recrutar e treinar essas pessoas. “Seria mais fácil pagar hora extra adicional aos servidores ativos do órgão, convocar aprovados em concursos anteriores ou chamar aposentados do INSS que tiverem interesse em voltar a trabalhar”, propõe o ex-ministro.

Berzoini lembra que a realidade do INSS sempre foi de fluxo intenso, com cerca de quatro milhões de pedidos por ano. Em 2003, quando assumiu o hoje extinto Ministério da Previdência Social, havia acúmulo de processos e demora média de três meses para apreciação dos pedidos. As medidas adotadas, no entanto, foram de fortalecimento do sistema.

“Primeiro organizamos a especialização das equipes, dividindo em turmas de análise para cada tipo de benefício solicitado. Depois realizamos concurso”, conta. “O INSS estava há 18 anos sem contratação de servidores e fizemos o concurso em caráter emergencial. Eu tomei posse no dia 2 de janeiro e, no dia 6, tivemos autorização do presidente. Foi o primeiro concurso do governo Lula. Contratamos 4.300 novos servidores”, lembra.

Revolta entre servidores

A convocação dos militares vai custar cerca de R$ 14,5 milhões ao mês, algo em torno de R$ 2 mil para cada reservista. A medida provocou revolta junto aos servidores públicos federais que denunciam: o governo está invadindo competências da área civil e privilegiando os militares, categoria de origem do presidente da República.

Para o secretário-geral da Condsef, Sérgio Ronaldo da Silva, a medida não vai resolver o problema dos atrasos nas concessões dos benefícios. “O problema não está no atendimento do balcão nas agências, está na análise dos processos, alguns complexos. É preciso pessoas qualificadas.”

O dirigente denuncia ainda que se forem convocados os 7 mil reservistas, já serão mais de 10 mil os militares ocupando postos no governo desde o início de 2019. Nem durante o período da ditadura militar houve tantos militares em cargos públicos.

“É uma ocupação sintomática que o militarismo está fazendo da estrutura pública. Metade dos cargos comissionados estão ocupados por eles”, critica. “Poderiam mandar os militares da reserva para as fronteiras do Brasil, para combate ao tráfico.”

Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS) declarou que “os servidores concursados para os cargos de analistas e técnicos do Seguro Social compõem força de trabalho qualificada para atuar nas atividades finalísticas do órgão, selecionados por concurso com grau de complexidade compatível com a envergadura da função pública a ser exercida”. Dessa forma, a expectativa de que o problema no atraso de análise de processos seja resolvido em seis meses, como indicou o ministro da Economia, Paulo Guedes, deve se frustrar.

Para a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps), a solução passa necessariamente por realização de concursos, não pela militarização dos serviços.

Alguns meses

Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo informa que o pedido feito por Guedes encontra resistência entre integrantes do alto-comando das Forças Armadas. “Um dos oficiais, que pediu para não ser identificado, sugeriu que o governo poderia aproveitar pessoal de estatais que estão sendo privatizadas ou em processo de venda para fazer o trabalho para o INSS”, relata a reportagem.

Já o secretário-geral do Ministério da Defesa, almirante Almir Garnier Santos, responsável pelo tema na pasta, “não vê problema na execução da medida” e lembra que “tudo foi combinado” com o Ministério da Economia. Mas ressalta que o assunto ainda não foi detalhado e nenhuma reunião foi realizada.

Sobre o processo de preparação e seleção dos voluntários, o almirante diz que o ministério precisa cumprir “procedimentos”, que levariam “coisa para alguns meses”.

“Não tenho como precisar o tempo. Mas não é coisa para um mês ou dois”, avisa o militar. “Eles precisam resolver o problema (da fila) e nós, para atendê-los, precisamos buscar um processo da maneira mais profissional possível, para que não haja problemas nem agora, nem depois, nem para nós, nem para eles e isso leva tempo.”

Foto: Jornal da Cidade On Line

Com informações da Rede Brasil Atual (RBA)

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