Formação em Saúde do Trabalhador termina com debate sobre responsabilidade, potência e ação coletiva
Formação em Saúde do Trabalhador termina com debate sobre responsabilidade, potência e ação coletiva
Encerramento do curso promovido pela Fetrafi-RS reforça a necessidade de assumir responsabilidade coletiva, fortalecer a formação e transformar reflexão em ação concreta para enfrentar o adoecimento no sistema financeiro.
O quarto e último módulo do curso de formação sindical em Saúde do Trabalhador, promovido pela Fetrafi-RS, reuniu bancários de todo o Rio Grande do Sul no dia 10 de dezembro de 2025, na sede do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região. A atividade marcou o encerramento de um ciclo formativo promovido pela Fetrafi-RS, consolidando reflexões estratégicas sobre saúde, organização sindical e responsabilidade coletiva. O Sindicato dos Bancários de Pelotas e Região esteve presente com a participação de 4 diretores neste último módulo: os diretores Sérgio Seus, Fábio Corrêa, Rafael Silveira e Lucas Cunha.
O encontro foi conduzido pelo psicólogo do SindBancários Porto Alegre, André Guerra com o tema “Núcleos de Inteligência e Estratégia Sindical: Construindo Políticas de Saúde para o Século XXI”. Partindo da mitologia grega, Guerra utilizou a história de Sísifo — condenado a empurrar eternamente uma pedra morro acima para vê-la sempre rolar de volta — como metáfora do esforço infrutífero frequentemente vivido pelos sindicatos no enfrentamento do adoecimento dos trabalhadores. “A história de Sísifo reflete a ideia de um esforço totalmente inútil. Quando percebemos que a tarefa é obrigatória e interminável, nossa tendência é desistir ou não fazer nada, já que o esforço parece sem propósito”, destacou.
Segundo o palestrante, essa lógica se repete no Movimento Sindical, quando ações fragmentadas tentam resolver problemas estruturais que retornam continuamente, como “enxugar gelo”. O consenso entre os participantes é de que o modelo atual é insuficiente: não há prevenção efetiva, não há promoção da saúde, e o sistema reage tarde demais, produzindo desgaste contínuo com poucos impactos reais.
Saúde deve ser integral
A crítica central gira em torno de uma visão integral de saúde. As políticas vigentes não consideram a saúde como um conjunto de dimensões interligadas — prevenção, promoção, cuidado, gestão e condições de trabalho. O resultado são ações isoladas, pouco efetivas e sem impacto visível no cotidiano dos trabalhadores.
Essa fragmentação também afeta os próprios profissionais envolvidos no cuidado e na organização sindical. Sem condições de exercer sua potência, muitos vivenciam perda de sentido no trabalho, desgaste emocional e queda de motivação. A percepção de que o esforço não gera retorno concreto ou reconhecimento abala o engajamento e produz o que se chama de “adoecimento organizacional”.
Segundo Guerra, quando o trabalho perde sentido, as relações também se deterioram, aumentando os conflitos, a irritação e o distanciamento entre colegas e dirigentes, ao mesmo tempo em que diminui a cooperação. Soma-se a isso a baixa participação dos trabalhadores, que geralmente procuram o sindicato apenas quando já estão sobrecarregados ou em crise, o que impede a construção de soluções preventivas e sobrecarrega ainda mais a gestão.
Responsabilidade, potência e adoecimento
Ao longo da exposição, o palestrante aprofundou o debate sobre responsabilidade, frequentemente confundida com culpa ou dever. Para ele, responsabilidade vem de “responder”, portanto responsável é aquele ou aquela que age. “Se eu digo que não sou responsável por nada, estou dizendo também que não posso nada”, afirmou. Essa recusa em assumir responsabilidade gera impotência, e a impotência adoece. Não existe, de acordo com o psicólogo, a possibilidade real de “não poder fazer nada”. “Assumir responsabilidade devolve potência, capacidade de agir e saúde”, concluiu.
Nesse sentido, a responsabilidade é proporcional à potência: quem tem mais poder econômico, político ou social carrega maior responsabilidade. Guerra exemplificou essa reflexão ao citar o caso do fotógrafo Kevin Carter, autor da icônica imagem “A menina e o abutre”, registrada no Sudão e vencedora do Prêmio Pulitzer. A foto gerou intenso cancelamento midiático, não apenas pelo ato de fotografar, mas pelo incômodo que revelou: a fome no mundo e a responsabilidade coletiva diante dela. Um ano depois, profundamente afetado pelas acusações, pelo trauma das guerras e pela culpa internalizada, Carter cometeu suicídio.
“A foto não acusa apenas o fotógrafo, acusa todos nós. Ela expõe a dificuldade social de reconhecer que consciência gera responsabilidade, e que ser agente implica agir, ainda que com limites”, observou.
Do individualismo à responsabilidade coletiva
A palestra também abordou o individualismo como estratégia central do capitalismo. Ao deslocar toda a responsabilidade para o indivíduo isolado, o sistema produz um pensamento coletivo dominante que impede a responsabilização real. As pessoas passam a se enxergar como “bolinhas de bilhar”, desconectadas, acreditando que sua ação isolada é irrelevante.
Para Guerra, se os indivíduos percebem que são seres em relação, tornam-se capazes de reconhecer que são responsáveis não apenas pelo que fazem, mas também pelo que permitem. E isso altera profundamente a lógica do sistema.
Responsabilidade coletiva, porém, não é culpa coletiva abstrata. Ela só existe quando passa pelo indivíduo, por meio de ações concretas: fazer, impedir, intervir, denunciar, acolher. O silêncio não é neutro, e a omissão sustenta processos de violência.
Para André Guerra, culpa e responsabilidade são coisas bem distintas: “A culpa está presa ao passado e paralisa, a responsabilidade está orientada ao futuro e impulsiona a ação”, sintetizou.
Formação, estratégia e ação sindical
A reflexão apontou que enfrentar os problemas reais da saúde do trabalhador exige inteligência estratégica e formação contínua. A atuação jurídica isolada não dá conta da complexidade da saúde coletiva, pois tende a reduzir conflitos estruturais a casos individuais. É necessário articular direito, formação, movimento sindical e ação coletiva.
Nesse contexto, a formação aparece como ponto de partida. Não é possível discutir saúde sem comunicação, nem comunicar sem formação. A partir dela, a responsabilidade se desdobra no jurídico, na legislação e na comunicação, com o desafio de transformar reflexão em ação concreta junto à base.
Durante o encontro houve um amplo debate sobre a importância de o sindicato definir claramente o conceito de saúde que defende, organizar campanhas a partir de um calendário anual e integrar temas como saúde mental, gênero, trabalho e direitos, evitando a repetição automática de campanhas tradicionais sem sentido político.
Papel da Fetrafi-RS no fortalecimento regional
A diretora de Saúde da Fetrafi-RS, Raquel Gil de Oliveira, destacou a importância do curso para articular formação política com planejamento coletivo e pessoal. A partir do debate sobre as dificuldades estruturais dos sindicatos, surgiu a proposta de fortalecer as regionais como espaços estratégicos, unificando esforços entre sindicatos grandes e pequenos e criando grupos profissionais compartilhados. “Os problemas da categoria não são individuais, mas estruturais, e só podem ser enfrentados com solidariedade, organização coletiva e unidade”, ressaltou a diretora.
Vigilância, parcerias e comunicação
Outro ponto debatido foi a vigilância em saúde do trabalhador como processo permanente. Embora já exista um Canal de Denúncias, além de práticas como visitas às agências e conversas com trabalhadores, elas ainda ocorrem de forma isolada. Para serem efetivas, precisam estar integradas ao planejamento estratégico, à formação contínua, à proteção jurídica e à comunicação.
Também foram apontadas possibilidades de parcerias com universidades, oferecendo a realidade concreta dos trabalhadores como objeto de pesquisa, formação e extensão, mantendo o protagonismo político do sindicato.
A comunicação foi tratada como ação política central. Ferramentas simples — como podcasts, debates e rodas de conversa — podem ter grande impacto quando há clareza, organização e responsabilidade assumida. Houve consenso de que o problema central não é falta de recursos, mas falta de responsabilização.
Grupo de Ação Solidária
Jacéia Netz, coordenadora do Grupo de Ação Social (GAS) do SindBancários Porto Alegre e Região, destacou o papel estratégico do grupo na formação e na política de saúde. “O GAS atua como espaço de formação, pesquisa, escuta e acolhimento, articulando sindicato e universidade em uma troca permanente”, explicou.
Ela citou como exemplo dessa atuação o serviço de psicologia breve, com atendimentos de até dez sessões no Sindicato e na Federação, com encaminhamento para a rede de serviços quando necessário. “Todos os casos são acompanhados de forma integrada, com o objetivo de acolher, orientar e garantir resposta a todos os bancários, fortalecendo uma estratégia coletiva de cuidado”, garantiu.
Encerramento com propósito coletivo
O encontro, que começou abordando a prática do eterno “enxugar gelo”, avançou para a construção de compreensão e propósito coletivo. Ficou evidente que pensar juntos, organizar ideias e dar sentido ao trabalho já é, em si, uma ação estratégica.
“Nada acontece sem que cada um assuma a sua própria responsabilidade”, sintetizou Guerra. A saída para o ciclo de dispersão e paralisia, segundo ele, não é individual, mas coletiva e organizacional. Planejamento, formação e ação contínua são os núcleos de uma inteligência sindical capaz de transformar intenção em prática e responsabilidade em potência real.
Fonte: Assessoria de Comunicação da Fetrafi-RS

