Primeiro painel analisa reconfiguração do sistema financeiro e aponta novos desafios

Números mostram a drástica redução do emprego bancário tradicional e colocam em debate novas estratégias de representação sindical.

O primeiro painel do encontro, intitulado “Estrutura e tendências do sistema financeiro”, apresentou um amplo panorama sobre a profunda transformação em curso no setor financeiro brasileiro. A mesa reuniu Magaly Fagundes, secretária de Organização do Ramo Financeiro da Contraf-CUT, e Gustavo Cavarzan, economista do Dieese e assessor da Contraf-CUT, que expuseram dados, análises e reflexões sobre a reorganização dos bancos, o avanço das cooperativas, fintechs e bancos digitais, e os impactos diretos dessas mudanças sobre o emprego e a organização sindical.

Logo na abertura, Gustavo Cavarzan destacou que o encontro integra uma estratégia da Contraf-CUT de dialogar com federações e sindicatos sobre a crescente fragmentação do emprego no ramo financeiro. Segundo ele, a Contraf-CUT cumpre um papel central de apoio político, formação sindical e produção de dados, oferecendo subsídios para que as entidades sindicais possam repensar suas estratégias diante de um setor que mudou radicalmente nos últimos anos.

Reestruturação profunda do sistema financeiro

De acordo com Cavarzan, o sistema financeiro brasileiro passa por uma reestruturação profunda há pelo menos 15 anos. Serviços que antes eram exclusivos dos bancos tradicionais hoje são realizados por uma multiplicidade de empresas, como fintechs, cooperativas de crédito, empresas terceirizadas e plataformas digitais. 

O economista apontou que esse processo é impulsionado por três fatores principais: as inovações tecnológicas, as mudanças na legislação trabalhista — como a ampliação da terceirização, do trabalho autônomo e da pejotização — e as alterações regulatórias promovidas pelo Banco Central, que estimularam a entrada de “novos atores” não bancários no sistema financeiro.

Os bancos, por sua vez, intensificaram de forma agressiva os investimentos em tecnologia, que já alcançam cerca de R$ 50 bilhões por ano. O objetivo central é a redução de custos com pessoal e com a manutenção de agências físicas. O resultado é uma digitalização acelerada: atualmente, a maioria absoluta das transações financeiras ocorre por meios digitais, especialmente via celular, enquanto apenas uma parcela mínima é realizada presencialmente.

Paralelamente, a inteligência artificial passou a ocupar um papel central tanto no atendimento aos clientes quanto nos processos internos, como análise de crédito, gestão de riscos e detecção de fraudes. A combinação desses fatores tem levado ao fechamento de agências, à redução do emprego bancário tradicional e ao aprofundamento da fragmentação do trabalho no setor financeiro, impondo desafios inéditos à organização e à representação sindical.

Mais tecnologia, menos mulheres

A inovação tecnológica já alterou profundamente o perfil da categoria bancária. Funções historicamente centrais, como análise de crédito, passaram a ser realizadas majoritariamente por sistemas automatizados e baseados em dados. Ao mesmo tempo, cresce de forma acelerada a contratação de profissionais de tecnologia da informação.

Segundo os dados apresentados, os trabalhadores de TI, que representavam apenas 2,7% da categoria bancária, hoje já correspondem a 12,8%, com destaque para áreas como desenvolvimento de software, segurança da informação e ciência de dados. Em sentido oposto, diminuem os cargos tradicionais de agência, como caixas, escriturários e gerentes.

Esse movimento tem um impacto direto sobre a participação das mulheres na categoria. Como o único segmento em expansão é a TI — área historicamente masculina —, o resultado é a redução da presença feminina. Dos cerca de 20 mil postos de trabalho fechados nos últimos cinco anos, 18,7 mil eram ocupados por mulheres. O tema entrou, pela primeira vez, na negociação coletiva, com o reconhecimento da necessidade de promover a inclusão e a permanência das mulheres na tecnologia.

A tecnologia também ampliou o teletrabalho. Hoje, quase metade da categoria atua em regime híbrido, o que trouxe novos problemas, como maior controle por metas, monitoramento algorítmico e até demissões baseadas em avaliações automatizadas.

Fintechs, cooperativas e a mudança no mapa do setor

Outro eixo central do painel foi o papel do Banco Central na reorganização do sistema financeiro. Segundo Cavarzan, o incentivo à entrada de fintechs e cooperativas não cumpriu as promessas de ampliar o crédito e reduzir juros. Em contrapartida, aumentaram os riscos de fraudes, lavagem de dinheiro e a fragmentação do emprego e da representação sindical.

As fintechs passaram a integrar oficialmente o Sistema Financeiro Brasileiro em 2013, com a criação da categoria de Instituições de Pagamento. O crescimento inicial foi tímido: até 2018 existiam apenas 11 fintechs reguladas. A partir daí, ocorreu um verdadeiro boom. Atualmente, são cerca de 330 fintechs reguladas pelo Banco Central e, se consideradas também as não reguladas, o número ultrapassa mil empresas, contra aproximadamente 175 bancos no País.

Além do crescimento em quantidade, as fintechs avançaram em escala. Entre as dez maiores instituições financeiras do País em número de clientes, quatro são fintechs: Nubank, Mercado Pago, PicPay e PagSeguro. A PagSeguro, por exemplo, já soma cerca de 32 milhões de clientes.

A comparação entre Nubank e Caixa Econômica Federal evidencia a dimensão da mudança: enquanto o Nubank possui mais de 100 milhões de clientes e cerca de 6 mil trabalhadores, a Caixa atende um número semelhante de clientes com aproximadamente 90 mil empregados.

Os números do Dieese apontam que esse processo foi acompanhado por um crescimento acelerado das cooperativas de crédito, que ocuparam o espaço deixado pelo fechamento de agências bancárias. Desde 2018, foram fechadas 4.853 agências bancárias no Brasil, enquanto surgiram 3.925 postos de atendimento de cooperativas.

Queda do emprego bancário e avanço das cooperativas

Os dados apresentados analisam três momentos-chave: 2012, último ano de auge do emprego bancário; 2019, período pré-pandemia; e 2024, dado mais recente. Em todas as federações, sem exceção, houve redução significativa do emprego bancário.

O caso mais extremo é o do Rio de Janeiro, com queda de 40% da base em 12 anos. No Rio Grande do Sul, a Fetrafi-RS figura como a quarta federação que mais perdeu empregos proporcionalmente: redução de 31% desde 2012, o equivalente a cerca de 10,5 mil bancários, e uma queda adicional de 18% desde 2019, com perda de aproximadamente 5 mil trabalhadores.

No recorte por sindicatos, o padrão se repete. Passo Fundo apresenta o cenário mais grave, com 51% de redução entre 2012 e 2024. Porto Alegre registra queda de 27%, e cidades como Caxias do Sul, Novo Hamburgo, Pelotas, Santa Maria e Erechim também apresentam perdas expressivas. As exceções são raras, como São Paulo, onde a concentração de empregos em tecnologia atenuou parcialmente os efeitos do fechamento de agências.

Em contraste, o emprego nas cooperativas de crédito cresce de forma acelerada. Em nível nacional, o segmento saltou de cerca de 10 mil trabalhadores em 2000 para 122 mil atualmente, um crescimento de 12 vezes. Na base da Fetrafi-RS, a expansão foi de 122%, praticamente compensando as perdas do emprego bancário tradicional.

Fragmentação e desafios à representação sindical

A fragmentação do emprego no ramo financeiro se intensificou, de acordo com o levantamento. Em 2012, os bancários representavam 61% do emprego formal no setor; hoje são cerca de 42%. Se fossem incluídos autônomos, PJs, MEIs e correspondentes bancários, esse percentual cairia para aproximadamente um terço.

Enquanto isso, as cooperativas passaram de 5% para 12%, as fintechs e categorias genéricas de 3% para 8%, e o setor securitário de 22% para 27%. No Rio Grande do Sul, os bancários já representam apenas 40% do emprego, enquanto as cooperativas respondem por 28%, tornando o debate sobre representação sindical ainda mais urgente na região.

Cavarzan ressaltou que as cooperativas de crédito oferecem os mesmos produtos e serviços que os bancos e que os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) mostram que 16 das 20 principais ocupações são exatamente iguais em ambos os segmentos. O mesmo ocorre com as fintechs, que fragmentam sua força de trabalho em múltiplos CNPJs, dificultando a organização sindical e pressionando os bancos a adotar práticas semelhantes.

Queda da sindicalização e necessidade de novas estratégias

O avanço desses segmentos tem impacto direto na arrecadação e na taxa de sindicalização. Apesar disso, a consulta realizada no ano passado revelou dados positivos: 67,3% dos bancários afirmam querer continuar sendo bancários, com carteira assinada, e quase 90% preferem emprego formal ou concurso público. Apenas 1,4% manifestaram interesse em trabalho autônomo ou PJ.

O paradoxo, segundo os debatedores, é que os direitos e a proteção sindical seguem valorizados, mas alcançam um número cada vez menor de trabalhadores. Sem novas estratégias, a categoria bancária pode se tornar residual nas próximas décadas.

Debate amplia reflexões sobre o futuro do ramo financeiro

Após a apresentação do Dieese, o público aprofundou o debate, destacando críticas à ideologia do empreendedorismo, à precarização do trabalho em empresas coligadas aos bancos e à necessidade de o Movimento Sindical se reestruturar para os próximos 50 anos. A defesa da identidade de classe, da formação sindical e do diálogo com a sociedade foi apontada como essencial para enfrentar um modelo de sistema financeiro que concentra lucros e reduz empregos.

Nas considerações finais, Gustavo Cavarzan lembrou que, apesar dos temores após a Reforma Trabalhista de 2017, a Convenção Coletiva foi preservada e até ampliada, incorporando temas como tecnologia, IA e violência contra a mulher. O problema central, porém, é que ela abrange cada vez menos trabalhadores.

Magaly Fagundes reforçou que a categoria bancária encolheu enquanto o ramo financeiro se expandiu. “Vários cargos bancários desapareceram ou tendem a desaparecer, sobretudo com o avanço da inteligência artificial”, afirmou. Para ela, o desafio central do Movimento Sindical é decidir se e como organizar o ramo financeiro como um todo, superando a fragmentação e construindo um novo modelo de representação à altura das transformações em curso.


Texto: Assessoria de Comunicação da Fetrafi-RS
Fotos: Assessoria de Comunicação do SindBancários de Porto Alegre

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