Dia Mundial da Alimentação reforça luta contra fome e defesa da soberania alimentar

Em um mundo onde bilionários acumulam riquezas superiores ao PIB de muitos países, ainda há milhões de pessoas passando fome diariamente. No Dia Mundial da Alimentação, a reflexão vai além do prato vazio — ela alcança os sistemas que determinam quem come e como se alimenta. Para a ativista Juliana Goulart Nogueira, conhecida como Kitanji, representante do Fórum Nacional de Segurança Alimentar dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, discutir alimentação é debater vida, dignidade e território.

Durante sua participação no programa Edição da Manhã, da RádioCom Pelotas, Kitanji destacou a importância da data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um momento fundamental de conscientização sobre a fome, a insegurança alimentar e a necessidade de políticas públicas inclusivas. A entrevista abordou desde a atuação das cozinhas solidárias até o impacto dos alimentos ultraprocessados nas comunidades periféricas.


Alimentação é vida, cultura e resistência

Segundo Kitanji, a concepção de alimentação para os povos de matriz africana ultrapassa a simples ingestão de comida: “Para nós tudo se alimenta: a água, a natureza, a vida. Não há sociedade sem alimentar”. Ela defende que o Dia Mundial da Alimentação deve ser não apenas um marco político, mas também um momento de transformação pessoal, em que cada pessoa reflita sobre suas escolhas e práticas alimentares.

A ativista destacou ainda como o afastamento das novas gerações em relação à comida natural é um sinal de alerta. “Eu lembro da minha avó com a horta, com a galinha, mas hoje as crianças lembram do que ouviram suas mães contarem. Logo teremos crianças que nem saberão o que é uma alface de verdade”, afirmou.

Ela também criticou a imposição de um modelo alimentar industrializado às populações vulneráveis. “Não é escolha quando se tem que decidir entre um alface a cinco reais e um salgadinho de dois. Isso é uma imposição do sistema”, completou.


Desigualdade alimentar e políticas públicas

Apesar de o Brasil ter saído recentemente do mapa da fome, ainda existem milhões em situação de insegurança alimentar. Para Kitanji, esse paradoxo só será superado com políticas públicas estruturantes, como a retomada do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).

Ela exaltou o impacto do PAA, com o qual tem ligação há 20 anos: “É um programa que conecta campo e cidade, garante alimento saudável e organiza a solidariedade na periferia. A gente corta a abóbora para que ela sirva ao maior número possível de pessoas”. Além disso, destacou que as cozinhas solidárias e ancestrais, muitas vezes localizadas em terreiros, sempre cumpriram esse papel de alimentar e acolher.

A entrevistada também defendeu que a segurança alimentar está diretamente ligada ao combate ao racismo, machismo e à desigualdade social: “Não existe combate à fome sem enfrentamento às estruturas que a sustentam”.


Cozinhas solidárias e saberes tradicionais

As cozinhas solidárias, ancestrais e comunitárias foram apontadas como espaços fundamentais para promover não apenas o acesso ao alimento, mas também a consciência alimentar. “Quando você abre uma marmita e vê uma abóbora, um fígado, uma verdura, isso provoca memória e reflexão. É uma educação silenciosa que toca o coração”, disse Kitanji.

Ela defendeu que esses espaços também ajudam a criar memórias afetivas e hábitos alimentares saudáveis nas crianças e jovens, contrapondo a invasão dos ultraprocessados. “É urgente garantir que as próximas gerações saibam o que é uma comida de verdade, da terra, feita com afeto e ancestralidade”.


Hortas urbanas e a retomada do território

Para além do alimento no prato, Kitanji propõe repensar a ocupação dos espaços urbanos. Ela critica a separação rígida entre urbano e rural, lembrando que até poucas décadas atrás, era comum ter galinheiros e hortas nos quintais das casas. “O que perdemos foi autonomia. Quando entregamos o controle da alimentação ao mercado, perdemos poder e saúde”.

As hortas urbanas, segundo ela, são uma ferramenta de retomada: “Não é nostalgia. É Sankofa: olhar para trás com os pés no presente e construir o futuro”. A produção de alimentos nos centros urbanos deve ser incentivada como política pública, contribuindo para a soberania alimentar e redução da dependência do agronegócio.

Fonte: RádioCom Pelotas

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