“Gaza será uma riviera para bilionários”: professor denuncia acordo de paz como fachada para colonização
Um novo acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas reacendeu a esperança de paz na Faixa de Gaza, mas também levantou sérias preocupações sobre os reais interesses por trás dessa trégua. Enquanto parte da comunidade internacional comemora o fim dos bombardeios, especialistas apontam que a reconstrução do território pode beneficiar mais o capital financeiro global do que o povo palestino. A promessa de transformar Gaza em uma “riviera” no Oriente Médio, com cassinos e resorts, desperta críticas sobre a instrumentalização da paz em nome do lucro.
Durante entrevista ao programa Edição da Manhã, da RádioCom Pelotas, o professor Fábio Amaro Duval, do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), fez uma análise contundente sobre o acordo mediado com forte influência dos Estados Unidos. Ele explicou os interesses estratégicos, econômicos e políticos por trás da proposta, além de levantar dúvidas sobre a viabilidade de uma paz duradoura na região.
Interesses estrangeiros na administração de Gaza
Segundo o professor Fábio Duval, a administração transitória da Faixa de Gaza após o cessar-fogo será entregue a figuras polêmicas e ligadas a escândalos do passado. Entre os nomes citados estão Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico e envolvido em corrupção na reconstrução do Iraque; e Jared Kushner, genro de Donald Trump, que liderou tentativas anteriores de acordos pró-Israel.
Além deles, participam da estrutura de gestão o bilionário de Wall Street Mark Rowan, CEO da Apollo Global Management, conhecido por seu apoio declarado ao primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. “É uma composição que representa mais os interesses de Israel e dos Estados Unidos do que dos palestinos”, afirmou Duval.
A reconstrução do território será realizada majoritariamente por grandes empreiteiras estrangeiras, sem participação efetiva dos palestinos. “Estão entregando Gaza para agentes do capital financeiro global. A chamada autoridade palestina reformada será uma peça simbólica controlada por Washington e Tel Aviv”, explicou.
Paz ou expansão colonial disfarçada?
O professor também criticou a forma como o acordo trata a resistência palestina. “O Hamas ainda não anunciou a entrega definitiva das armas. Mas o objetivo claro do acordo é varrer qualquer forma de resistência e colocar no lugar uma administração totalmente alinhada com os interesses de Israel e dos Estados Unidos”, destacou.
Duval afirmou que o plano de transformar Gaza em uma “riviera” mostra que o projeto vai além de um cessar-fogo. “Eles querem explorar economicamente o território palestino destruído. O nome disso não é paz, é colonização. Gaza será lucrativa para bancos e empreiteiras, enquanto os palestinos seguem marginalizados”, declarou.
Mesmo com a trégua, ele não acredita que haverá estabilidade duradoura. “Ainda há focos importantes de resistência, como o Iêmen e o Irã. E os conflitos no entorno de Israel, como nas Colinas de Golã e no sul da Síria, continuam sem solução definitiva”, alertou.
Guerra e lucro: a geopolítica da destruição
A entrevista também explorou como conflitos armados se tornaram uma forma de enriquecimento para elites globais. “Depois da destruição total, vem a reconstrução com bilhões de dólares movimentando o mercado global. É o que ocorreu no Iraque, e agora se repete em Gaza”, lembrou o professor.
Ele explicou que muitas das empresas que vão atuar na reconstrução estão diretamente ligadas a quem destruiu o território. “Tony Blair ganhou fortunas com empresas criadas para reconstruir países que ele ajudou a bombardear. Agora ele repete o modelo em Gaza, junto com outros bilionários”, disse.
Essa lógica de guerra lucrativa tem raízes profundas nas estratégias de dominação das grandes potências. “Os Estados Unidos se mantêm através de guerras permanentes. A paz é apenas um intervalo para reorganizar os lucros”, resumiu.
Trump, China e América Latina: o xadrez global
A figura de Donald Trump foi central na entrevista. Duval chamou atenção para o “discurso contraditório” do ex-presidente norte-americano, que se apresenta como pacificador, mas adota posturas agressivas contra outras nações.
“Trump agora tenta intermediar a paz em Gaza e no Cáucaso, mas, ao mesmo tempo, pressiona países europeus a investir 20% do PIB em armas para sustentar a guerra da OTAN contra a Rússia”, afirmou. Para ele, a verdadeira motivação por trás das ações de Trump é conter o avanço da China e garantir a supremacia dos Estados Unidos no Oriente Médio e na América Latina.
O professor também criticou a tentativa de transformar a América do Sul no “quintal dos EUA”, citando pressões contra a Venezuela, o Brasil e os BRICS. “Há uma clara estratégia colonialista em curso. O mesmo projeto de dominação que se vê em Gaza se reproduz nas Américas”, alertou.
Antissemitismo e censura: o caso Breno Altman
A entrevista encerrou com a análise da denúncia do Ministério Público Federal contra o jornalista Breno Altman, acusado de racismo e apologia ao crime por críticas a Israel. Duval classificou o caso como parte de uma estratégia de censura e manipulação do discurso sobre antissemitismo.
“O termo ‘antissemitismo’ está sendo usado para calar protestos legítimos contra crimes de guerra. Muitos financiadores dessas campanhas, como o bilionário Mark Rowan, usam sua influência em universidades para reprimir estudantes contrários à guerra em Gaza”, disse.
Ele destacou que protestar contra um massacre de civis não é racismo, mas um direito. “A luta contra o terrorismo virou desculpa para justificar acordos com grupos extremistas e silenciar críticas. A mesma tática usada por George Bush depois do 11 de setembro”, concluiu.
Fonte: RádioCom Pelotas