Trabalho escravo quase triplicou nos últimos três anos no RS

Com a operação que que resgatou na semana passada 207 trabalhadores de condições de trabalho análogo à escravidão na colheita de uvas, na cidade de Bento Gonçalves (RS), antes mesmo de fechar o segundo mês de 2023, o estado já bateu recorde de resgates com 208 nos meses de janeiro e fevereiro.

Este número é praticamente o triplo dos resgates feitos em 2021, de 76. Em 2022, em relação ao ano anterior os resgates já foram mais do que dobro:156. O que mostra um crescimento assustador do trabalho escravo no Rio Grande do Sul.

Os dados atualizados foram encaminhados pelo auditor fiscal do trabalho da Superintendência Regional do Trabalho do RS do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Henrique Mandagará, ao jornal Extra Classe, uma publicação do Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS).  

No caso recente, de Bento Gonçalves, os trabalhadores, provenientes da Bahia, em sua maioria, foram aliciados por empresa terceirizada que atendi as  vinícolas Garibaldi, Aurora, Salton e mais 23 produtores rurais da cidade na Serra Gaúcha, mobilizou a opinião pública sobre um tema, que infelizmente não é novo no Brasil.

Em 2022, resgate também foi recorde no Brasil

Em todo o país, em 2022 pelo menos 2.575 trabalhadores (número recorde, até então) foram resgatados de condições análogas à escravidão em 432 operações realizadas. Em 2021 foram 1.937 resgates. Em 2020, foram 942 em 2019 foram 1.054 pessoas resgatadas. Os dados são do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Antes de Jair Bolsonaro (PL) assumir a presidência da República, em 2019,  os números vinham caindo. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) – que chegou a ser extinto em 2018 e recriado este ano pelo presidente Lula (PT) –, a exploração de mão de obra escrava estava em declínio desde 2007. De 6 mil trabalhadores resgatados naquele ano para cerca de 5 mil em 2008; 3,7 mil em 2009;  oscilou acima de 2,5 mil de 2010 a 2013, depois caiu para 1,7 mil em 2014; 1,2 mil em 2015.

Vulnerabilidade social e econômica: principais causas do trabalho escravo

Os procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) Ana Lucia Stumpf González, coordenadora da unidade do MPT-RS em Caxias; o procurador Lucas Santos Fernandes, coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete ) e a procuradora Franciele D’Ambros, vice-coordenadora, que atuaram no caso de Bento Gonçalves, explicaram ao Extra Classe o crescimento dos casos de trabalho análogo à escravidão.

Extra Classe – Na avaliação do MPT, a que se deve o crescimento de 2018 para cá nos números gerais do trabalho escravo no Brasil?

MPT/RS – São vários os elementos. Um pouco disso se deve aos índices de pobreza e a maior vulnerabilidade social resultado tanto da crise econômica quanto ainda dos efeitos da pandemia de covid-19. Também é claro que há um aumento do número de denúncias. A sociedade está mais consciente do tamanho do problema, o que permite que a fiscalização esteja presente.

EC – O que explica os números do Rio Grande do Sul?

MPT/RS – Com o maior grau de vulnerabilidade econômica provocado pela crise, aumentam os casos de trabalhadores desesperados dispostos a acreditar em falsas propostas de emprego. A dificuldade econômica faz com que muitos trabalhadores saiam de seus Estados acreditando em propostas enganosas de outros lugares em situação financeira aparentemente mais promissora, como o Rio Grande do Sul.

Nas operações temos encontrado um perfil de muitos são trabalhadores migrantes, por vezes de outros Estados, muitas vezes do Nordeste, ou de imigrantes vindos de outros países.

EC – Quais são os principais gargalos hoje para o combate ao trabalho análogo à escravidão?

MPT/RS – Há mais de um gargalo. A escravidão contemporânea, diferentemente da escravidão clássica, é de identificação mais complexa e pendente de sutilezas. A infraestrutura também é outro desafio. As atuais equipes de fiscalização se desdobram para averiguar um número cada vez maior de denúncias. Há dificuldades também no atendimento às vítimas no pós-resgate.

A estrutura para o acolhimento a resgatados também é reduzida. Os abrigos existentes costumam ter mais condições e experiência no atendimento a pessoas em condição de rua, e os resgatados têm outras necessidades mais específicas.

EC – No caso de Bento Gonçalves, até onde vai a responsabilidade das vinícolas e produtores rurais que contrataram a empresa que colocou os 207 trabalhadores em situação análoga à escravidão?

MPT/RS – Em um caso como esse, é possível, dependendo do que for apurado, pedir a responsabilidade solidária, analisando a cadeia produtiva como um todo. A apuração, contudo, ainda está em curso.

Foto: Divulgação / MPT-RS

Fonte: César Fraga / Extra Classe com edição de Rosely Rocha / CUT Brasil

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