Plano de Guedes pós-pandemia, que retoma privatizações, é ineficiente, apontam especialistas

A ideia fixa de Guedes em vender o patrimônio brasileiro para fazer caixa não leva em consideração nem o período de pandemia

“Nós vamos na direção da liberal democracia. Nós vamos abrir a economia e vamos privatizar”. A já conhecida frase de Paulo Guedes quando assumiu a Pasta da Economia é repetida no documento intitulado “A reconstrução do Estado”, que o governo federal apresentou em abril passado. Nele, traça-se um plano de privatização e desmonte do Estado no período pós-coronavíruss.

Como soluções para o Brasil pós-pandemia, o plano apresenta três eixos centrais: venda de ativos da União; aceleração do programa de concessões e investimentos e reformas estruturantes. Na que destaca “vantagens da desestatização”, os argumentos incluem “acabar com o corporativismo, a corrupção, os privilégios e reduzir o ‘toma lá, dá cá’”. O plano apresenta lista de empresas públicas divididas entre as que já estão em processo de desestatização, as passíveis de desestatização e as que não devem ser estatizadas.

Na avaliação do economista Márcio Pochmann, da Fundação Perseu Abramo, a ideia fixa de Guedes em vender o patrimônio brasileiro para fazer caixa não leva em consideração nem o período de pandemia do novo coronavírus nem o fato de que na lista das que ele quer liquidar estão empresas estratégicas como a Pré-Sal Petróleo S/A e os Correios. “É um modelo ineficiente porque o Brasil não tem investidores nacionais que possam comprar estatais desses portes. Seria necessário atrair capital externo, mas a fuga de investidores estrangeiros já sinaliza bem que isto não será possível, pelo menos por enquanto”, afirma.

Para a coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, Rita Serrano, o plano traz informações que não correspondem à realidade ao tentar caracterizar as empresas públicas como fonte de corrupção ou pouco lucrativas. “Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES, Eletrobras e a Petrobras – que representam mais de 96% dos ativos totais e mais de 93% do patrimônio líquido das estatais federais – mantiveram a tendência de alta no lucro e fecharam 2019 com R$ 107,86 bilhões de ganho. Esse valor representa um aumento de 56% em relação a 2018”, explica.

Ela também critica o quadro apresentado, escrito em inglês, para chamar a atenção dos investidores estrangeiros para a liquidação que o governo pretende fazer, e que trata do valor de mercado das estatais federais antes e durante a crise. “São dados reveladores do desejo de entrega do patrimônio público, que apontam que, antes da pandemia, as principais empresas públicas tinham precificados de R$ 742 bi, caindo para R$ 568 bi”, avalia.

Para Rita, muito embora o governo diga que não pretende privatizar Caixa, BB e Petrobras, “o documento deixa claro que se trata de uma falácia: como exemplo as operações de Seguros, Cartões, loterias e Asset, da Caixa, constam da lista e, na avaliação de mercado, em fevereiro, valiam R$ 147 bi,  passando em abril para  100 bi, como mostra o gráfico abaixo.

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Outro questionamento de Rita diz respeito aos dividendos. Segundo ela, no consolidado das empresas como Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa e BNDES, os valores passaram de R$ 3,7 bilhões em 2016 para R$ 19,8 bilhões no fim do ano passado. Além disso, o valor de dividendos distribuídos pelas estatais exclusivamente para a União também é bastante expressivo, com média de R$ 18,5 bilhões por ano.

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O Comitê também conversou com representantes de trabalhadores de outras empresas sob ameaça, como Embrapa e Eletrobras. Para Íkaro Chaves, da Eletrobras, a grave crise econômica reduziu o consumo de energia e desvalorizou os ativos brasileiros, fazendo com que a estatal, neste contexto, fosse vendida por muito menos do que seu real valor, além de todos os prejuízos que a alienação da Eletrobras traria ao País.

“Só para se ter uma ideia, entre 2018 e 2019 a Eletrobras registrou lucro acumulado de R$ 23 bilhões e o governo pretende arrecadar pouco mais de R$ 12 bilhões de reais com essa criminosa privatização. É uma empresa lucrativa, saudável financeiramente e com capacidade técnica reconhecida”, afirma, acrescentando que a privatização vai aumentar o preço da energia para o consumidor, reduzir a segurança energética e ferir a soberania nacional.

Já para Andrea Matos, da Embrapa, esse é um programa de “Fim do Estado Brasileiro”, destrutivo. Ela aponta os cortes de orçamento e pessoal em uma empresa que completou 43 anos realizando pesquisas que trazem riquezas concretas para o País. “O risco de implementação do programa de Guedes não apenas coloca em risco os trabalhadores e trabalhadoras da Embrapa, bem como arrisca a segurança alimentar brasileira”, afirma.

Carga tributária 

O ministro Paulo Guedes também anda torcendo os dados ao tratar do cálculo da carga tributária, cuja conta correta consiste em comparar o volume de impostos arrecadados como proporção do PIB. Mas ele resolveu somar a carga tributária com o déficit fiscal, resultando em um novo conceito de carga tributária inédita no mundo. Com essa conta, o Brasil passou a ter a 8ª carga tributária do mundo.

Os dados foram desmontados por David Dacache, economista e integrante da Rede MMT Brasil. Dacache mostrou o levantamento da OCDE (o grupo de países desenvolvidos): nele, o Brasil registra uma carga tributária abaixo da média, menor do que a de 22 países e acima de 9 países. Numa tabela sobre as principais formas de arrecadação e o percentual da receita fiscal no Brasil, comparada com outros países, o Brasil tem a 24ª carga tributária, entre os 34 países analisados, como proporção do PIB.

Já em relação à tributação sobre Renda, lucro e ganhos de capital, ocupa a 34ª posição, com apenas 6,5% do PIB, contra uma média de 11,4%. E em relação à folha de salários, responde por 8,5% do PIB, contra média de 4,8%. Só não é maior devido ao aumento da informalidade, com o desemprego e com a flexibilização da legislação trabalhista.

De acordo com Márcio Pochmann, há outras formas de fazer a economia brasileira sair da crise em que se encontra, como a emissão de moeda, como fizeram os Estados Unidos e a União Europeia no enfrentamento da crise econômica de 2008 e, ainda, fazer uma reforma tributária e taxar as grandes fortunas, como também defendem diversas entidades.

Fonte: Fenae

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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