O Capital e os Direitos

Há alguns dias me deparei com esse texto que circula na web. Afirmam ter sido escrito pela Juíza do Trabalho Raquel Domingues do Amaral. Na internet fica um tanto difícil comprovar autoria. Mas é impossível não se expressar sobre a força de seu conteúdo. Diz assim:

Sabem do que são feitos os direitos, meus jovens? Sentem o seu cheiro? Os direitos são feitos de suor, de sangue, de carne humana apodrecida nos campos de batalha, queimada em fogueiras!

Quando abro a Constituição no artigo quinto, além dos signos, dos enunciados vertidos em linguagem jurídica, sinto cheiro de sangue velho! Vejo cabeças rolando de guilhotinas, jovens mutilados, mulheres ardendo nas chamas das fogueiras! Ouço o grito enlouquecido dos empalados. Deparo-me com crianças famintas, enrijecidas por invernos rigorosos, falecidas às portas das fábricas com os estômagos vazios! Sufoco-me nas chaminés dos Campos de concentração, expelindo cinzas humanas! Vejo africanos convulsionando nos porões dos navios negreiros. Ouço o gemido das mulheres indígenas violentadas.

Os direitos são feitos de fluído vital! Pra se fazer o direito mais elementar, a liberdade, gastou-se séculos e milhares de vidas foram tragadas, foram moídas na máquina de se fazer direitos: a REVOLUÇÃO! Tu achavas que os direitos foram feitos pelos janotas que têm assento nos parlamentos e tribunais? Engana-te! O direito é feito com a carne do povo! Quando se revoga um direito, despedaça-se milhares de vidas …

Os governantes que usurpam direitos, como abutres, alimentam-se dos restos mortais de todos aqueles que morreram para se converterem em direitos! Quando se concretiza um direito, meus jovens, eterniza-se essas milhares vidas! Quando concretizamos direitos, damos um sentido à tragédia humana e à nossa própria existência!

           O direito e a arte são as únicas evidências de que a odisséia terrena teve algum significado!

Na primeira impressão esse texto pode parecer exagerado, mas não é.

Em todo o planeta, cada pequeno avanço alcançado pela classe trabalhadora aconteceu após anos ou séculos de sofrimento e exploração. E por isso, um direito só pode ser revogado quando a evolução no convívio social torná-lo dispensável.

Um direito é como uma muleta sobre a qual se apóia alguém cujos membros inferiores se encontram doentes e incapazes de sustentar o corpo. Enquanto existir a enfermidade, a muleta será imprescindível para proporcionar alguma qualidade de vida. Então, retirar esse direito/muleta sem a cura é condenar o indivíduo ao sofrimento.

Adam Smith teorizou sobre as leis de mercado, cuja tendência seria a autorregulação e o equilíbrio, através das ofertas e demandas. Enquanto em relação à economia uma série de variáveis têm de ser levadas em consideração, no caso das relações de trabalho ele estava certo. E então, o equilíbrio entre a oferta e a demanda determina o valor da mão de obra.

Como na história humana, salvo raríssimas exceções, a oferta de mão de obra sempre superou em muito a demanda, aqueles que detém os meios de produção precificam o trabalho e determinam suas condições.

Por isso a revolução industrial inglesa empregava crianças menores de 10 anos para trabalhar mais de 12 horas por dia. Não devido a ausência de trabalhadores, muito pelo contrário, e sim, porque as famílias necessitavam sobreviver e era muito mais barato remunerar crianças. Ética nunca foi o forte do “mercado”. Esse ente abstrato, o “mercado”, e a sua autorregulação, criaram a escravidão, o tráfico de pessoas e a exploração da mão de obra imigrante. Mundialmente.

Quando direitos extrapolam limites ou as condições que os impuseram se alteram é preciso regulá-los para que continuem justos. A muleta para o são é muito mais um obstáculo do que um auxílio. Mas a simples supressão de direitos não pode ocorrer sem um debate social. Estaríamos desprezando aqueles que deram suas vidas para que tenhamos condições mais dignas e, em certos casos, minimamente necessárias

Porque a justificativa para a exploração sempre foi de que o capital empregador não suportaria os custos. Mas a crescente desigualdade social e a especulação financeira mundo afora, essa realidade do “mercado”, nos demonstra que o capital não somente suporta tais ônus, mas vai muito bem, obrigado.

* Rogério Fernandes de Farias é funcionário e delegado sindical da CEF

 

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